Cautela e “caldos de galinha” nunca fizeram mal a ninguém. Se aprecia uma boa e típica canja madeirense com os verdadeiros ingredientes que reza a história desta receita, não a substitua por nada deste mundo. Comecemos por apreciar algumas possíveis combinações da canja: galinha, cebola, tomate, cenoura, nabo, cravinho, arroz, manjericão, canela, aipo ou salsa e sal. A lista de ingredientes tem origem na Índia, com a denominação de kenji (ou kenge) que significa de caldo quente e salgado. Ao que parece os portugueses copiaram a receita original, conhecida pelas propriedades reconfortantes e medicinais, à qual terão adicionado a “velha” galinha. Mais tarde, já pelas mãos dos portugueses, fez-se chegar a canja ao Brasil e outras regiões de influência portuguesa que igualmente adaptaram a receita às suas tradições. Por cá, a região acrescentou à já revigorante canja o vinho Madeira.
A ciência interessou-se pela “magia” da canja, e a
investigação realizada sobre os seus ingredientes tem sido documentada como uma
das armas fundamentais contra a gripe, a constipação e a pressão arterial
elevada. Mas a receita tem sofrido alterações que não abonam a seu favor. A
substituição de alguns ingredientes naturais por caldos industrializados, a
redução da quantidade de legumes, a omissão das especiarias e em contrapartida
a excessiva quantidade de sal levam a que o resultado final não seja o
esperado. Já para não falar da galinha ou melhor, o frango, que nos dias de
hoje até se lhe pergunta o que comeu, pois as cascas de boganga e folhas de
couve foram substituídas por ração da “engorda” somada aos antibióticos que o
crescimento rápido em “caixas” obriga. Como imagina o modo intensivo de
produção nos aviários condiciona o perfil nutricional e a qualidade final da
carne.
O que a ciência colocou em evidência são
essencialmente quatro processos que quando orquestrados fazem-nos melhorar a
resposta do organismo nos estados de convalescença. Um primeiro diz respeito à
ingestão de líquidos, que por si só é uma necessidade básica do organismo, mas
que nas situações de gripe e constipação ou estados febris, obriga a um ajuste
na sua ingestão face à temperatura corporal alterada e como coadjuvante na
expectoração. Para além do mais, nestas situações a toma de líquidos fica em
alguns casos comprometida pela falta de apetite. O segundo efeito resulta da
temperatura que é servida a canja e o respectivo vapor que quando inalado
melhora a congestão nasal. Não é à toa que nos debruçamos sobre o prato
fumegante de canja e à medida que o sorvemos e inspiramos o vapor notamos uma
melhoria dos sintomas respiratórios. O terceiro aspecto prende-se com a carne
da galinha cozida que liberta dois aminoácidos que têm um papel relevante na
recuperação e no combate ao vírus. A glutamina, um aminoácido que participa na
melhoria das defesas do organismo e a cisteína que reduz a viscosidade da
secreção e facilita a eliminação. A cisteína agiria da mesma forma que a
acetilcisteína, um princípio ativo usado na formulação de medicamentos para
descongestionar os pulmões. Por último, a combinação dos químicos naturais dos
produtos hortícolas (nabo, aipo, cebola, cenoura) e especiarias (canela,
cravinho) que são anti-inflamatórios naturais.
Ricardo Oliveira – Nutricionista
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